Eu mal me entendia de gente e já arrastava chinelo pelos paralelepípedos de Olinda. Sou do tempo da Semana Pré na avenida Boa Viagem. Das fantasias minúsculas, uma por dia. Das comuns, para não passar calor. Das criativas, para gerar interação. De almoçar espetinho de queijo coalho beeeeeem assado e desistir da tapioca depois de flagrar a faca limpando a unha da vendedora. De ver nascer o carnaval no Recife Antigo, de frequentar o Baile Municipal, alugar casa na Cidade Alta e tomar banho de cuia.
Foram poucas as vezes em que o Carnaval de Olinda e Recife chorou minha ausência. A primeira, troquei por uma trilha na Chapada Diamantina. Sem CLT, sem férias. Sacrifiquei a Folia de Momo. Outra trilha para a Serra do Araripe alguns anos depois.
Com o tempo — o meu e o climático —, todos os dias de Entrudo foram substituídos por uns sim, outros não, intercalados com praia. A vida em equilíbrio.
Este ano, o aviso em casa vinha sendo dado há meses: "Tu não quer fazer uma trilha? Que tal a gente alugar uma casa de praia? Olha, eu não vou, viu? Se organize pra ir. Eu vou aproveitar pra adiantar uns estudos. Preciso descansar. Lembra do ano passado, quando tu chorou no meio da multidão achando que ia ser esmagada?"
Não dei atenção. Achei que pertinho, na beiradinha da Festa de Zé Pereira, ele mudava de ideia. Não mudou. "Ah, é bom que vou na praia, descanso, leio. Ninguém morre sem carnaval."
Eu fui morrendo ao passar das horas calmas. Abstinência de glitter aliada à TPM.
O carnaval coçava em mim.
"Vá simbora! Veja com fulana se ela foi de carro e quando volta. Não dou conta dessa tua cara de tristeza (nem do abuso). Vá, veja o horário de ônibus pra eu te levar."
Fui. Metade do coração saltitava.
Já tinha Dona Florinda na nossa Turma do Chaves de todo ano. Minha mãe resolveu ir de Dona Clotilde, a Bruxa do 71. O que me restava era ser criativa, disposta e calma. Não demorou para eu virar Seu Barriga, em meio a risos e estresse. "Porque todo ano vocês vão de Chaves e deixam tudo pra cima da hora!"
Pra cima estava meu astral. A saudade do meu Professor Girafales dos anos anteriores também. Faz parte.
Das lições momescas:
Tenha parceiros que te queiram bem, mas tão bem que te empurrem pro carnaval que você acha que não faz questão de ir. Acredite quando alguém disser que não vai fazer uma coisa. Não conte com mudanças de ideias que não são suas. Trabalhe com o que tem e faça o seu melhor. Vai dizer que Meu Barriga não ficou um arraso? Se entregue à alegria com gosto de gás e tenha as melhores companhias.
Ah, não esqueça de ter sempre R$ 2,00 trocado pra fazer xixi em banheiro limpo, com papel de folha dupla, álcool 70% na saída e espelho para retoques.
Ps: na abertura, trecho de matéria da cobertura de Carnaval do Diário de Pernambuco.
Maravilhosa!
Arrasou na fantasia de Seu Barriga. Texto singelo, nostálgico e delicioso de ler.